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Olhar a Vida de Frente

Olhar a Vida de Frente, E aceitá-la pelo que é.

Acolher o entardecer, as mãos vazias, a pele pálida, os olhos envoltos numa névoa triste. Acolher os lábios secos, a garganta deserta, a mente a pairar na teia infinita das recordações.

Olhar a solidão de frente, e tomá-la pelo que é - Memória viva do eTERNO. Do que é tão imenso que não cabe no fragmento do tempo em que aparentemente vivo e respiro.

Olhar esta ânsia de viver, de calcular e traçar no mapa da pele o caminho para os Gigantes do Universo sem fim. E neste transe ser canto e pranto. Sentir a inutilidade da mente, das lágrimas, das palavras, dos sonhos. Até não ser.

Olhar a vida de frente, desintegrando-se, depenhando-se, evaporando-se, esquartejando-se, devorando-se a si mesma, engolindo-se sem tréguas. Até não ter.

Respirar em apneia, em convulsão, o corpo em espasmos, até ao silêncio. Dar de frente com o silêncio. E aí, comunicar.

Nesse lugar onde o supérfluo viveu por tanto tempo, há um espaço aberto, uma clareira no meio do nada, uma terra firme, um solo vivo. É um lugar antigo, familiar, tem um cheiro conhecido, arrepia a pele e abre de novo os poros. Remexe as entranhas, faz de novo crescer as unhas, tremer de leve as pontas dos dedos. Gera um formigueiro, um desassossego. No afã de viver abre-se de novo o corpo, de água na boca procuram-se frutas maduras.

A madureza é um cavalo bravo. A sombra de um carvalho. Um livro aberto, uma lamparina acesa no meio da noite. Um uivo, um grito, um gemido. Aqui há lugar para tudo e para nada. A vida toma-se nos braços de si mesma. E fica.

A pressa, a fúria, o medo de sentir, os enganos, as ilusões, as fugas. Todas as fugas, aqui, onde a vida que se olha a si mesma, e fica.

E se nos falta o que fazer, e se nos faltam as palavras, as dicas, os truques, os conselhos, que importa? E se nos falta arrumar a casa, encher a mesa, pentear o cabelo, lavar os lençois, que importa?

Que importa, quando amanhã a porta se fechar e desapareceres para sempre na bruma dos tempos. O que importa? Quem importa? O que fica depois de pousares os sacos do supermercado no chão da cozinha, de receberes mais um salário, de pagares de novo as contas, de ires almoçar por favor a casa da sogra, de veres a novela, a bola, as noticias do virus, de tomares comprimidos para dormir e para a cordar, de fingires um orgasmo, de conquistares mais um corpo para a tua cama, de o descartares no dia seguinte, de o manteres como forma de sustento do vazio. Que nome tem esse vazio?

O que lês entre as linhas, entre os espaços, no silêncio, no ruído. O que lês quando os labios de movem devagar, acompanhando um qualquer brilho nos olhos, e um gesticular de mãos. Que histórias ainda te conta a VIDA?


Mizé Jacinto,

Janeiro 2021


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