da empatia
Este é o meu tímpano depois de um "acidente médico". Foi em 2018, depois de regressar da India, de muitas horas em aviões, e de uma sensação de incómodo que persistia após umas semanas.
A minha vida mudou neste momento, mudou por estes milímetros de pele rasgada.
Primeiro foi uma dor agúda, depois uma alteração da audição, como se ouvisse 50 vezes mais. Digo 50 porque não sei descrever de outra forma. Depois o zumbido, noites sem dormir, a roçar a loucura, a implorar por um botão que desligasse o ruído constante dentro da minha cabeça. Pensei que não viveria muito mais tempo. Pensei que seria impossível sobreviver à exaustão.
A médica não assumiu. Não tive forças para nada.
Contam-se pelos dedos as pessoas que mostraram empatia. Chorava todos os dias, chorava em todas as consultas, mesmo com o apoio doce do médico que me seguiu depois.
De cada vez que dizia a alguém que tinha uma perfuração no tímpano a pergunta era sempre a mesma: o que é que não queres ouvir?
E calei-me.
Não é possível descrever em meia dúzia de palavras o que significa ouvir a mesma pergunta, fruto da sabedoria a cordel, onde se repete sem pensar, sem sentir, sem escutar.
A minha resposta será sempre a mesma: não quero ouvir esse tipo de comentário. Quero mais, quero empatia. Um corpo físico em dor, um corpo fisíco em processo de trauma, é uma ferida aberta no corpo emocional, e é necessário acolhe-lo com todo o cuidado.
A escuta é um cuidado precioso. Todos já passamos por cima desta escuta em algum momento, mas haverá porventura um momento sem retorno, nem que seja causado pela sensação de estar a andar no fio da navalha.
A rotura do tímpano foi um acidente, não sentir apoio foi uma consequência de viver numa sociedade que pouco cuida verdadeiramente.
Uma pandemia depois fui finalmente intervencionada. Não resultou. Talvez haja uma segunda tentativa, talvez não. Não consigo decidir. Ainda não.
No primeiro verão não conseguia atravessar um ribeiro sem tremer de medo. Agora já consigo nadar, com o ouvido bem tapado e com muito menos medo. Consigo bricar com o meu filho no verão. Isso ainda fui a tempo de recuperar.
Apesar do cansaço o corpo encontra formas de sustentar o trauma e de o acolher, lançando sementes para o futuro que agora acredito poder viver.
E já agora, nunca perdi a audição. Por isso direi antes - o que é que eu quero ouvir: - palavras gentis, palavras-sons-melodias de amor e empatia para o corpo e para a alma. Palavras em flor. Palavras em expansão. Palavras de embalar, de nutrir, de cuidar. Palavras vindas do coração, e da verdade que tece conexões de irmandade, de união, de cumplicidade. Palavras de fusão, de intimidade. Palavras que gerem novas visões, novas criações, ainda que tenham que substituir outras já sem força.
Quero ouvir-me, fazer-me ouvir quero escutar-te-me-nos mais e mais. No silêncio, no canto dos grilos, no assobiar do vento.
Em presença. Em amor.
2022
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