O embalo do Tempo

Embala-me o encadear dos dias e das noites, dos ciclos lunares e solares, dos anos, das décadas, de vidas, mortes e renascimentos, tantas vezes quantas a alma ditou. Apenas para que tudo se desfaça um dia na grande teia cósmica, e aí se refaça em si mesma, no que sempre foi e sempre será. Da já longa caminhada-gestação-e-parto são tantas as histórias, tantos os encontros e desencontros, tantos os sonhos perdidos, transformados e realizados. Do tanto que já fui, do nada que perdi, do pouco que lamento, trago as mãos cheias do que também se tornará pó de estrelas. Faço e desfaço o novelo, e fica a certeza de que não há certezas. Apenas um coração pulsante reclama para si o que há de mais sagrado, e liberta sem medo o que não tem lugar, o que não nutre nem pede nutrição. Esta dança interna e eterna, fiel amiga, inseparável inimiga, é o passo e o compasso certo dos dias. A ela também pertencem momentos infinitos, perfumes inigualáveis oferecidos na simplicidade de um olhar ou na profundidade de um abraço, como fios-luz a sustentar a vida. O que se uniu, o que se quebrou, o que se reparou, o que se fortaleceu, o que se aconchegou, o que se protegeu, o que se rasgou, o que se cortou, o que se selou, o que se refez, o que se olhou pela primeira vez, o que desapareceu para sempre, o que passou, o que é e o que será, tudo reclama a simplicidade, e um estado de honestidade como uma borboleta emergendo do casulo apertado.

O resto é vento.

A poesia dos dias convida a um olhar prolongado no tecido rebuscado do coração-flor-e-fruto-maduro. Assim, nesse saborear sem pressa, aquieta-se a alma por uns instantes, o tempo suficiente para novas aventuras. Afinal, sou, somos, tão pequenos e tão IMENSOS. O que temer?

Fevereiro 2020