Estou aqui para me despir...
... estou aqui para me despir...
Quando julgamos que somos seguros e plenos de conhecimento, a Vida, na sua suprema sabedoria, testa-nos, e experimentamos o inferno nas teias tecidas por nós mesmos.
Nesse inferno alquímico, de entranhas em dor, a natureza profunda e selvagem sopra os primeiros murmúrios, rasgando na pele novas formas, novos rostos, novos sons, novas cores, novos perfumes, de uma Alma que deseja ser Luz em Liberdade.
Quando julgamos que não sabemos nada, que não somos nada, e em ausência de nós, entregamos o nosso poder pessoal a outros, a Vida, na sua Infinita paciência, atira-nos para o abismo, construído por nós mesmos por debaixo dos aparentes alicerces.
Em queda vertiginosa, ainda tentamos agarrar o que nos parece ser seguro, lançando no abismo os nossos despojos.
A queda relembra a nossa fragilidade, e começamos finalmente a questionar o sentido da vida, face à brevidade do tempo, e ao adiar dos sonhos.
Nesse estado de caos nada parece encaixar, e a sensação de isolamento chega como um cavalo em fuga – já não sei de mim, já não reconheço quem fui, já não sei quem sou. A Alma arde de febre e começamos a ser deserto.
E é neste espaço/tempo sagrado, no Templo Interno, que finalmente nos começamos a reconhecer, e nos começamos a curar a nós mesmos, abraçando a sombra, lambendo as feridas em recolhimento intimo e amoroso... Os braços começam soltar-se e as mãos humildemente a abrir-se.
No processo de transmutação somos semeadura espalhando ao vento embriões de liberdade, do tanto que ainda não sabemos ser, mas já sonhamos...
Da finitude nasce o infinito, do fim nasce o inicio. Do caos nasce a harmonia.
Do querer nasce a poesia, nasce o amor a dourar o olhar.
Novos mundos emergem, e a Vida saúda-nos mais uma vez. Somos festa. Somos dança balsâmica a voar Primaveras.
E de tanto nos termos nos desejamos leveza, sendo pousio para escutar os ventos.
Novas vozes chegam, velhas aves partem, pois que tudo é, na Grande Roda, o Pulsar impermanente.
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Todos os momentos são mágicos quando vividos em entrega e confiança na Vida.
Absorver, ou despejar, tudo é válido. Tudo é renovação. Tudo é encontro.
Todas as experiências nos conduzem a um estado, seja ele qual for, para que do saber se passe ao sentir. Um acontecimento interno, que não se explica.
A colheita acontece quando o coração, despido já não se apressa a querer...
Quando deixamos de perguntar, de querer intelectualizar. Quando deixamos de procurar, de estar em esforço.
Quando finalmente nos começamos a “despir”, pois só a NUDEZ revela a Verdade.
Serenamente,
a colheita transforma-se em bençãos nutrindo o coração que, dando sentido ao Ciclo as multiplica e doa incondicionalmente à Unidade.
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... estou aqui para me despir...
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Mizé
Agosto de2010